sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Dinamarca é exemplo de flexibilidade trabalhista

Humberto Saccomandi
Publicado pelo
Valor Online em 14/09/07

"O trabalho deve ser feito onde pode ser realizado de modo mais barato, respeitando-se as condições sociais." Não, a frase não é de nenhum economista neoliberal, mas do presidente da LO, a central sindical da Dinamarca, Hans Jensen, a quem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou ontem em Copenhague. Com essa atitude inovadora diante da globalização, o país revolucionou seu mercado de trabalho nos últimos anos. Brasil e Dinamarca anunciaram a intenção de realizar um seminário sobre o tema.

"Não nos opomos a que empregos migrem para outros países", prossegue Jensen, que falou ao Valor na semana passada. Presidente da central sindical LO desde 1996, ele parece encarar essa migração para países mais baratos como uma inevitabilidade. E procura, em troca de facilitar esse processo, garantir benefícios para seus associados.

Essa mistura "criativa", como diz Jensen, de flexibilidade trabalhista, benefícios aos trabalhadores e políticas ativas do governo ajudou a derrubar a taxa de desemprego, que hoje é de apenas 3,2%, a menor da UE, cuja média é de 6,8%. E ajudou também a manter o crescimento econômico (3,2% em 2006) entre os mais altos nos países ricos.

Esse modelo dinamarquês vem sendo chamado há alguns anos de "flexicurity" (flexissegurança) e tem atraído interesse de vários países. Mas não é fácil reproduzi-lo, como os próprios dinamarqueses admitem.

"Mudamos o foco da segurança no emprego para a segurança no trabalho", afirmou Leif Hansen, diretor da Autoridade Nacional do Mercado de Trabalho, órgão do governo.

O país flexibilizou normas trabalhistas, reduzindo garantias no emprego, para tornar o mercado de trabalho mais dinâmico, capaz de gerar empregos necessários.

Esse processo teve o apoio da central sindical, das empresas e do governo. "É uma nova filosofia para enfrentar desafio da globalização", disse Hansen.

"Na Dinamarca, demitir é fácil e barato", afirmou Hans Peter Slente, diretor de mercados da Dansk Industri (DI), a confederação das indústrias dinamarquesa. O país não tem leis que regulam a jornada de trabalho, os salários nem as demissões. Tudo é definido na negociação coletiva.

O sindicato apoiou ainda outras medidas de flexibilização, como uma carga horária flexível, que pode ser aumentada em momentos de pico de produção, sem necessidade de pagamento de horas-extras. Esse trabalho a mais é descontado da jornada em momentos de produção menor. E mais decisões sobre relação trabalhista passaram ao nível de empresa.

O país também aprovou uma reforma que elevou a idade de aposentadoria para 65 anos. "É difícil tirar algo das pessoas que elas crêem ser um direito. É difícil aceitar que você precisará se aposentar quatro, cinco anos mais tarde", disse Hensen.

Mas, em troca, o sindicato manteve algumas conquistas e obteve outras. Em primeiro lugar, continua negociando os contratos coletivos. Como o nível de sindicalização na Dinamarca é muito alto (cerca de 85% dos trabalhadores), isso dá um grande poder de barganha. O sindicato pode ordenar greves punitivas contra empresas que não se comportam bem, bloqueando, por exemplo, a cadeia de suprimentos da companhia.

Mas o clima geral da relação sindicato-empresas é muito bom, segundo relataram ao Valor ambas as partes. "Concordamos com a LO em 90% dos assuntos. Nos outros 10%, em geral nas negociações salariais, brigamos", disse Slente, da federação das empresas. A última greve geral ocorreu em 1998. "É um sindicalismo muito responsável", segundo o representante das indústrias.

O generoso seguro-desemprego, pago por um fundo administrado pelo sindicato, foi mantido. O trabalhador que contribuiu por ao menos um ano, se for demitido, pode continuar recebendo até 90% do salário (há um teto) por até quatro anos.

"Mas hoje é muito difícil ficar no seguro-desemprego por muito tempo", disse Hansen. O desempregado tem de informar semanalmente que está procurando trabalho e pode recusar apenas duas propostas feitas por agências de emprego. A partir daí, perde o direito ao seguro.

"Abandonou-se também o conceito de emprego adequado. Não se pode querer aceitar só emprego na sua área. Tem de ser em qualquer área", explicou Hensen. Também não se defendem setores da economia. Há a percepção de que o país tem de ser bom em algumas áreas, mas que essas áreas não serão as mesmas o tempo todo.

Um dos benefícios conquistado foi o direito a duas semanas de educação formal por ano (fora do trabalho), sem perda de salário. Os salários também subiram aos poucos, em troca de mais flexibilidade, disse Slente.


Outro resultado é que, além de ter o menor desemprego, os dinamarqueses são os mais otimistas da UE em relação à globalização. "Muitos países da UE temem a globalização. Os dinamarqueses são os mais positivos. Parte da explicação está nos sindicatos, que apoiaram a globalização", diz Slente.

"A globalização pode ser positiva em todo o mundo", afirma Jensen, da central sindical. Segundo ele, cerca de 50 mil postos de trabalho no setor têxtil do país migraram para a China e o Leste Europeu. Mas poucas pessoas ficaram sem emprego. O segredo, diz, é uma combinação de "segurança social e educação".

"Os dinamarqueses não têm medo de perder o emprego. A economia vai bem e as pessoas são bem preparadas e confiantes. Segurança não deve estar no emprego, mas em você", disse Marie-Louise Knuppert, secretária-geral da LO. Ela diz que todo ano 700 mil pessoas mudam de emprego no país, quase um terço da força de trabalho. Achar emprego é fácil.

Ontem, durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Dinamarca, o premiê dinamarquês, o conservador Anders Fogh Rasmussem, anunciou que os dois países pretendem organizar um seminário internacional sobre flexissegurança e globalização. O anúncio foi feito na visita de Lula e Rasmussem à sede da central sindical LO. "É importante que os líderes [dos países] visitem os trabalhadores", disse Lula.

Mas copiar o modelo não é simples. Os próprios dinamarqueses dizem que as condições que permitem a flexissegurança, como a altíssima carga tributária (que custeia o sistema), o bom sistema educacional e o alto grau de confiança entre as partes sociais, existem em poucos lugares, mesmo na UE. Por isso, o modelo é dificilmente exportável.

"Não se pode pegar o modelo dinamarquês e levá-lo para qualquer lugar. O Brasil precisa descobrir o seu próprio jeito", afirmou ontem o "companheiro" Hans Jensen, como ele foi chamado por Lula.


2 comentários:

Anônimo disse...

Que bom que o campanheiro hansen deixou claro que nâo recomendàvel copiar esse modelo.....abraço
clàudia Jovana

Anônimo disse...

É bom saber que na Dinamarca "arranjar emprego é fácil", a flexiblização na Dinamarca deu certo, os direitos trabalhista foram mantidos, ocorre uma rotatividade de empregos. Acredito que o diferencial é a carga, que deve ser muito menor do que a aplicada no Brasil. Nossos políticos e estudiosos devem mirar as atenções, na redução da tributação dos impostos, para que haja a tão sonhada reformada previdenciária. A Constituição, em vigor, é clara, sendo alguns direitos trabalhistas indisponíveis. Havendo mais investimentos na Saúde e na Educação, Redução na Carga Tributária, a flexiblização trabalhista pode ser introduzida no Brasil, aumentado o número de empregos. Vamos sensibilzar nossos governantes.
João out/07



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